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sábado, 26 de janeiro de 2013

O SONHO DE OSCAR

Por 
Gustavo Albuquerque*
 

Lausanne, Suiça, outono de 1896.
O garoto Oscar tinha o final de tarde livre, após mais uma partida de football – o incipiente esporte que se espalhava como rastilho de pólvora pela Europa – disputada na Escola de La Ville. Aproveita o tempo ocioso para ir, de bicicleta, a seu recanto predileto: o Lago Leman, cuja grande massa de águas profundíssimas garante temperaturas amenas mesmo nessa época do ano. Perto da margem, deita-se na relva a apreciar o céu, com a cabeça apoiada nas mãos . Embalado pelo som das marolas que vêm lamber o cascalho, adormece. Adormece e sonha.
Sonha que levava o football para o seu Rio de Janeiro natal e para todo o país. Sonha que o novo esporte tornar-se-ia uma paixão nacional, mais popular até que o remo e o boxe. Que o Brasil viria a ser uma potência mundial e seria chamado, um dia, de “o país do football”. Sonha que fundaria um clube que fosse não apenas um expoente dos esportes, inspiração para muitos, mas também um centro formador da juventude e propagador das artes. Exemplo de fidalguia e disciplina. Um clube que brilhasse alto com o sol da manhã, qual luz de refletor; que orgulhasse o Brasil, retumbante de glórias e vitórias mil.
Oscar Cox é acordado por gritos de socorro. Era um remador cujo barco havia emborcado, próximo à margem. O jovem fidalgo rapidamente tira os sapatos e entra na água para ajudar o náufrago a retornar à terra. Depois, tarde já alta, barras das calças molhadas, toma o caminho de casa. No percurso de volta, não para de pensar no sonho. Por mais delirante que fosse, decide que levaria uma bola da Europa e formaria um time. Ele sabe que o maior risco que toda jornada corre é que não seja dado o primeiro passo.
Retorna ao Rio no ano seguinte determinado a implementar o football na cidade. Depois de várias tentativas infrutíferas, dado o total desinteresse pela modalidade, finalmente, em 1901, a insistência o faz conseguir organizar um time e realizar a primeira partida. Os brasileiros enfrentaram um conjunto inglês, em peleja que terminou com um tento para cada lado. A mesma aconteceu no Rio Cricket, em Niteroi, e teve uma assistência de quinze pessoas, sendo onze tenistas do clube. Mais duas partidas entre os mesmos quadros são realizadas, mais dois empates. Então surge uma notícia que deixa nosso pioneiro surpreso e empolgado: Charles Miller fizera o mesmo que ele, em São Paulo, alguns anos antes, e já havia times no estado vizinho praticando o football.
Organiza-se uma excursão daquele que, posteriormente, veio a ser chamado pela imprensa paulista de Rio Team. O Rio Team enfrentou duas vezes um combinado paulista, denominado São Paulo Scratch Team, e mais duas igualdades verificaram-se. As partidas realizadas e a empolgação dos envolvidos deixaram nosso empreendedor exultante e acabaram por levar à grande obra de sua vida: a fundação do FLUMINENSE FOOTBALL CLUB, em 21 de julho de 1902, juntamente com outros dezenove pioneiros. Oscar foi aclamado presidente e decidiu-se que os fundadores não teriam nenhum privilégio sobre os futuros associados.
E assim nascia aquele que viria a ser o maior clube do Brasil na primeira metade do século XX, numa trajetória que transbordaria para muito além da esfera esportiva. Trajetória que seria coroada com a fundação da Seleção Brasileira, em nosso campo, nas Laranjeiras, em 1914; com a construção do primeiro estádio do Brasil, inteiramente com recursos próprios, em 1918; com a conquista das primeiras medalhas olímpicas brasileiras – ouro, prata e bronze, pela equipe de tiro, em 1920; com o reconhecimento do COI, através da Taça Olímpica, em 1949, pela contribuição ao desporto mundial; com a conquista do Mundial Interclubes, em 1952; e finalmente, com a declaração de Jules Rimet, criador da Copa do Mundo: “O Fluminense é a maior organização desportiva do planeta”.
Não é por outro motivo que os tricolores dos dias atuais, em sua modéstia auto-confiante, proclamam: “Nós somos a história”
Eis a verdade amigos: o Fluminense não é um clube. O Fluminense é um sonho que virou realidade.
O NOME “FLUMINENSE”
Em novembro de 1901, Cox e seus companheiros haviam convocado reunião para a fundação do Rio Football Club, que acabou não vingando. Mas o nome foi aproveitado por outro grupo e permaneceu a necessidade de se batizar o clube que desejavam criar.
 
Desde as Capitanias Hereditárias, os termos “carioca” e “fluminense” confundem-se e são usados tanto para os naturais do que hoje é a Capital, quanto para os nascidos no Estado do Rio de Janeiro. A duplicidade é compreensível dado que até 1834 não havia separação entre município e província do Rio de Janeiro. Em Tupi-Guarani, “cari-oca” significa “casa de branco” – e essa é geralmente aceita como a melhor explicação para o termo – embora seja cada vez mais aceito nos meios antropológicos que o mesmo tenha origem na tribo dos Cariis, de Niterói, cujas ocas eram avistadas do outro lado da baía. Carii-oca, a casa dos Cariis. Eis a verdade: os cariocas legítimos são os niteroienses.
Apesar de a Lei Orgânica de 1892 estabelecer que “cariocas” seriam exclusivamente os naturais da Cidade do Rio, na prática, o uso duplo dos termos permaneceu. E essa mistura persiste até os dias de hoje – ou não chamamos o Campeonato Estadual de “Cariocão”? Historicamente, todos os fluminenses são cariocas e todos os cariocas são fluminenses.
No intuito de homenagear-se o povo do Rio de Janeiro, seja da capital ou não, foi escolhido o nome FLUMINENSE. O termo é originário do latim – FLUMEN – que quer dizer rio, inundação, transbordamento, fecundidade; a correnteza que traz a vida. Daí, fluminense, o povo do rio.
Fiel a seu nome de batismo, assim o Fluminense Football Club escreveu sua história: qual um rio de irrepresável magia, a fluir, transbordar e fecundar, rumo ao destino inevitável de todo rio – a imensidão oceânica.
*Gustavo Albuquerque é advogado e consultor em gestão jurídica. /  Fonte: www.globoesporte.com

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