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segunda-feira, 25 de março de 2013

Por que ler Graciliano Ramos, 60 anos depois


Foto: divulgação
O escritor Graciliano Ramos com as netas Sandra e Vânia, filhas de Júnio Ramos

No último dia 20 de março, a morte de Graciliano Ramos completou 60 anos. Seis décadas sem a caneta áspera e feroz do autor, que é um dos gênios da literatura brasileira e por isso o homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) em 2013. O distanciamento da data não torna a obra do escritor alagoano menos relevante. Ao contrário: é aí que se percebe como o termo imortal faz todo o sentido quando colado a autores como ele, que nem chegou a integrar a Academia Brasileira de Letras (ABL). Quase 80 anos depois da publicação de Vidas Secas (1938), um retrato cru das dificuldades climáticas enfrentadas no interior do Nordeste, o sertão tem a pior seca dos últimos 40 anos, de acordo com a Defesa Civil da Bahia.
No campo econômico e social, presente também em São Bernardo (1934), outro romance que se candidata a obra-prima de Graciliano, a situação não está muito melhor. No Índice de Desenvolvimento Humano, ranking da ONU que mede a qualidade de vida de cada país com base na renda per capita, expectativa de vida e escolaridade da população, o Brasil amarga a 85ª posição, segundo dados de 2012. “Por mais que tenham se verificado avanços no país, algumas questões seguem aguardando soluções estruturais e definitivas”, diz Dênis de Moraes, autor da biografia O Velho Graça (Boitempo, 2012). Eram essas questões que impulsionavam Graciliano, nas crônicas e na ficção.

Para o biógrafo, o escritor demonstrava sério compromisso com o destino do brasileiro, principalmente daqueles que sofrem e são explorados. “Ele faz de seus escritos um instrumento de interpretação e intervenção na realidade social e política do país”, diz. O próprio Graciliano reconheceu a motivação em entrevista Ernesto Luiz Maia, pseudônimo de Newton Rodrigues, em 1944. "O conformismo exclui a arte, que só pode vir da insatisfação. Felizmente para nós, porém, uma satisfação completa não virá nunca", disse.

O alagoano, que foi preso pela polícia política de Getúlio Vargas em 1936 sem motivo concreto, prisão que depois dará origem ao romance autobiográfico Memórias do Cárcere (1953), se mostra crítico e rigoroso com qualquer tipo de opressão -- social, política, econômica ou mesmo afetiva, o que pode em parte ser explicado pela difícil relação que teve com os pais, duros e distantes.

Essas motivações pautam tanto Memórias do Cárcere como, por exemplo,São Bernardo, romance crítico sobre um fazendeiro ambicioso que coisifica as pessoas e estraga uma relação amorosa. O já citado Vidas Secas, sobre uma família de retirantes em busca de sobrevivência, ao passo que o agudoAngústia, de 1936, fala de um homem, Luís da Silva, que sofre tanto por se sentir inferiorizado quanto por perder a mulher que ama para o maior rival no campo amoroso e social, o gordo e rico Julião Tavares.

Em comum, essas obras têm também o olhar amplo de Graciliano, que analisava tanto os coletivos humanos quanto os indivíduos. É o que Dênis de Moraes aponta como conexão profunda do autor com as variações e as manifestações da alma humana. “A obra de Graciliano reflete sensibilidade para com as aspirações, as vicissitudes e as expectativas dos homens na sua passagem pelo mundo”, afirma o biógrafo.
Assim, o autor consegue se comunicar com todos os tempos históricos, contextos e situações que envolvem o indivíduo. 
* Meire Kusumoto, na Veja.com

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